25.8.12

O novo single do Muse (e o que ele significa para a banda)


Quem me conhece sabe que o Muse é minha banda favorita desde meados de 2002. Por muito tempo fui dono da comunidade Muse Brasil no Orkut, segui a banda nos 3 primeiros shows que eles fizeram no Brasil, em 2008, e escrevi um longo texto no forum do MuseBrasil.com sobre eles na época do último álbum, The Resistance, onde falava basicamente sobre a trajetória da banda até então e sobre a minha relação com a música deles. Resumindo, Muse é um dos poucos assuntos sobre o qual eu me permito ainda escrever posts inúteis como esse aqui promete ser. Sigam por sua conta e risco =P

Pois bem. Em algumas semanas, o Muse lançará seu sexto álbum de estúdio, The 2nd Law, e nos últimos 2 meses a ansiedade veio crescendo em progressão geométrica, inclusive com a revelação gradual de três das 13 faixas do novo disco. No entanto, não escapou a ninguém o fato de que cada uma das 3 faixas já reveladas são bem diferentes das outras, e a mais recente - Madness, o primeiro single - gerou uma repercussão entre os fãs como eu não via desde que Supermassive Black Hole apareceu e fez alguns xiitas cortarem os pulsos (ok, talvez nem tanto, mas o dono da maior comunidade de Orkut da banda na época deletou a mesma num surto de raiva e muitos outros na MB abandonaram revoltados, só pra citar alguns chiliques). Aquela velha história de "OMG Muse acabou" e "Muse se vendeu" e etc. Dessa vez, curiosamente, eu não acredito que estejam de todo erradas. Mas acho que a surpresa é desmedida. Explico:

Madness não é a primeira balada soft do Muse, nem de longe. Nem tampouco a primeira faixa carregada na produção eletrônica - fora a guitarra durante o solo e a bateria, não há um único instrumento na faixa que não esteja pós-processado à exaustão - tendo sido precedida por Map of the Problematique e Undisclosed Desires, além da própria SMBH que só é rock ao vivo, em estúdio é um dance track. A diferença é que Madness foi escolhida como o single do novo álbum, e tem sido universalmente elogiada como a melhor música deles até hoje, inclusive pelo próprio Matt, para horror e confusão dos fãs, que se perguntam o que será que está acontecendo.

Bem, eu tenho algumas teorias (ou esse post não existiria).

Primeiro, devemos lembrar que Supermassive também foi o primeiro single de Black Holes & Revelations. Quem é fã de longa data lembra bem dessa época e do motivo dessa decisão. O Muse já tinha 3 álbuns de estúdio e mais dois DVDs ao vivo, enchia arenas na Europa, e quando entraram no estúdio vinham do maior show de suas vidas, Glastonbury 2004, um show que até hoje eles descrevem como um marco na trajetória da banda, o show em que eles perceberam que sua música podia mover as massas e alçá-los ao patamar de um U2. Só tinha um pequeno problema.

Eles não conseguiam igualar esse sucesso nos EUA por mais que tentassem.

Nessa época começou uma certa obssessão musical do Muse pelo mercado fonográfico norte-americano. O topo das paradas estadunidenses viraram, pra exemplificar de forma clara, a Libertadores corinthiana da banda. Eles tentaram de tudo, formataram sua sonoridade pra se encaixar no gosto ianque, priorizaram os singles "acessíveis" (o segundo single do disco, Starlight, é uma música dessas feitas pro público bater palminhas no show e pras patricinhas desmioladas gritarem "AI MINHA MÚSICAAAAAA" e cantarem junto a única que conhecem) e inclusive fizeram algo que eles mesmo admitem que foi como vender a alma para o demônio - viraram a banda de destaque na trilha sonora de Crepúsculo. E mesmo negociando as próprias pregas morais desse jeito, o Muse continuou sendo uma banda de nicho nos EUA (e, pra piorar, o lance com Twilight os estigmatizou de tal forma que foi um tiro no pé, tanto que se recusaram a continuar a farsa e abandonaram a trilha dos próximos filmes).

Então por que será que eles insistem e colocam Madness como abre-alas do novo álbum? Bem, ao que tudo indica, porque quem persiste eventualmente vence.

Nos dias que se seguiram ao lançamento de Madness, a positividade recebida pelos próprios figurões da indústria é um alento para o (ex-)power trio. Se as opiniões inflamadas de Chris Martin, do Coldplay - a maior autoridade em soft-rock-mela-cueca-que-vende-discos-a-rodo em atividade -, que chamou Madness de "a melhor música do Muse até a data," ou de quem quer que estivesse usando o twitter oficial do Keane quando postou que Madness "recuperou sua fé na música britânica," entre outros, servir de parâmetro, eu diria que o Muse também vai ganhar sua Libertadores em 2012 (ê, aninho...). A transformação daquela banda introspectiva que transformava angústia em linhas melódicas simultaneamente complexas e cruas em um sucessor do U2 como reis do rock-coxinha de lotar arenas está completa.

Agora, isso é novidade? Não, né? Black Holes & Revelations saiu em 2006. Isso foi 6 anos atrás. 6 anos e 2 álbuns inteiros, mais um b-side e 3 faixas novas agora. Tempo suficiente pra qualquer pessoa de bom senso notar que o Muse não é mais a banda do Origin of Symmetry e do Absolution. Se chocar com o rumo que The 2nd Law está tomando é mergulhar de cabeça no maior poço de amnésia seletiva do mundo. Nada do que eu disse acima é novidade pra qualquer pessoa que tenha lido uma única entrevista deles nesse período. O Muse pós-Glastonbury sempre almejou ser uma banda acessível e universal. Eles pararam de se refletir nas músicas e começaram a, conscientemente, passar mensagens. A mudança nas letras entre as duas fases da banda é a maior prova disso. Até o Absolution, eram fios-de-consciência truncados, obscuros, e muitas vezes resultado de viagens de cogumelo (que a banda usava pesadamente quando compôs o Origin). Dali pra frente, quando o Bellamy começou a decidir previamente sobre o que gostaria de falar, acompanhar a evolução das letras do Muse passou a ser como acompanhar a evolução do seu filho nas aulas de redação. A gente fica orgulhoso com o progresso, mas não vamos nos enganar e dizer que são poesias =P

Musicalmente, também, já passou da hora dos fãs pararem de esperar um álbum no estilo do que foram os 3 primeiros. Essa época acabou. Aquelas músicas que pareciam tão guturais e que ao mesmo tempo traziam riffs tão desproporcionalmente rebuscados? Não vendem. Me lembro até hoje de ouvir Sunburn pela primeira vez e pensar "caralho, esse moleque toca piano a sério" ou ouvir Plug In Baby e pensar "faz tempo que não ouço uma música contemporânea com um riff de guitarra tão empolgante e que não descamba pra punheta técnica estilo Yngwie Malmsteen ou John Petrucci," ou mesmo da primeira vez que os vi tocando ao vivo e pensei "CARALHO peraí ele toca piano e guitarra assim NO PALCO? Não foram 23 takes de estúdio??" e é uma época que eu me lembro com muito carinho, mas não tenho esperança nenhuma de ver a banda tocando nada desse naipe outra vez. Faz tempo. Hoje em dia o Muse destilou esse som e o engarrafou pra usar como apenas um dos vários ingredientes de suas músicas. E muito se engana quem diz que Muse agora soa genérico - qualquer pessoa que detesta a banda te dirá de cara que a música deles é sempre reconhecível, sempre "a mesma coisa." A textura musical que eles criaram ainda está lá, só que agora ela é dosada, calculada, formulaica. Nunca sobrando. Nunca tão espremida dentro do tempo de execução que parece que vai vazar, explodir, nos engolir (New Born e Stockholm Syndrome, estou olhando para vocês).

Isso faz com que o Muse atual seja ruim? Não. Pelo contrário. As 3 músicas que já conhecemos do 2nd Law provam que Bellamy, Howard e Wolstenholme se tornaram um canivete suíço musical, capazes ao mesmo tempo de escrever um tema olímpico, uma balada que transcende gêneros, e uma peça que mistura a orquestração dos clássicos com a textura do eletrônico de vanguarda. Três músicas que podiam ter sido escritas por três bandas diferentes, e que ao mesmo tempo gritam "Muse" por todos os poros. Matthew Bellamy continua sendo o cara que botou um um estudo de virtuose pianística no meio de um rock cheio de distorções e gritos e com uma letra emotiva, chamou de Sunburn e explodiu meu cérebro, mas agora quando ele escreve riffs rodopiantes, ele transforma em peças orquestrais inteiras; quando ele sente necessidade de falar da vida amorosa, ele escreve, lê, lê outra vez, calcula a métrica, escreve uma melodia exclusiva praquele sentimento, e lança uma balada perfeita. Quando ele quer socar o estômago do ouvinte com um vagalhão sonoro, ele mistura a progressão harmônica de Take a Bow ao piano estacado de USoE e bota um coral no meio da história. Tudo calculado. E continua excelente. Bem, exceto talvez nas letras, mas nosso garoto tá melhorando, vai! =P

Mas também não dá pra dizer que o Muse é o mesmo de quando eu ouvi pela primeira vez. Eu passei dias ouvindo Survival e a própria Madness no repeat quando foram lançadas, da mesma forma que ouvi Muscle Museum por duas SEMANAS a fio naquele distante 2002, e tem sido assim com todos os singles de todos os álbuns deles, basicamente. A característica "chiclete" é perene. Mas as músicas do Showbiz, do OoS e do Absolution eram tão cheias de nuances que mesmo agora, anos depois, eu ainda escuto coisas novas nelas. Tenho certeza que isso não acontecerá com Madness, assim como já não aconteceu com Undisclosed Desires que, após o fim do período de repeat intenso, virou uma faixa que eu já nem presto atenção direito quando ouço. Não porque ela seja ruim, mas porque essas faixas pop se esgotam rápido (e é pra ser assim, afinal o pop vive de rotatividade). E se tem uma coisa que me deixa triste quando penso no Muse de ontem e de hoje é lembrar de um cartaz na platéia do show do Le Zenith, imortalizado no primeiro DVD deles, Hullabaloo, que dizia "Thanks for bringing back the soul to rock n' roll." Esse cartaz, que tanto me representou, está obsoleto. A alma que o Muse trouxe de volta já não está mais lá. Foi engarrafada e posta a serviço da vontade. E teria que ser, por questões de sobrevivência. Não acredito que a banda tivesse durado muito mais se eles não tivessem saído da adolescência musical e começado a tratar a música como seu ganha-pão. Nada de inglório nisso, e, verdade seja dita, temos 3 discos e um cacetão de B-Sides daquela época pra onde corrermos quando quisermos aqueles arrepios. Mas música desse tipo, agora, só quando surgir o próximo Muse.

Talvez, eventualmente, a banda resolva fazer como o Radiohead que depois de muita estrada resolveu abrir um parêntese e escrever o OK Computer 2 (a que chamou de Hail To The Thief), fez sucesso, e seguiu de onde tinha parado. Talvez no aniversário de 15 anos do Absolution (já que o de 10 tá muito perto) eles façam um Absolution 2. Mas não esperem o raio caindo no mesmo lugar pela segunda vez. Se esse disco acontecer, será obra de uma autoreferência (ou auto-paródia) consciente, e o som pós-processado pode se disfarçar de seminal (ou talvez eles façam como o Foo Fighters que gravou um disco "de garagem" e teve um estrondoso sucesso com ele, ganhando Grammys de baldada) mas será ainda resultado de uma reunião pra decidir e compôr as músicas que eles querem, não vai ter nenhum poema saindo de fundo de gaveta, nenhum jam session de ensaio se tornando riff e brotando em música. Claro que esses momentos provavelmente ainda existem, mas eles virarão uma ou duas músicas, não mais uma filosofia como já foram.

Mas enfim, é cedo demais pra falar, o disco ainda não saiu, sabemos que ele tem coisas novas (duas faixas inclusive escritas e cantadas pelo baixista Chris Wolstenholme num momento bem intenso da vida dele, a luta contra o alcoolismo, que todos nós esperamos que soem como o Muse de antigamente, as chances são boas) e ainda tem 10 faixas pipocando por aí que podem desdizer tudo que eu escrevi aqui em cima. Ou podem confirmar. Não estou apostando grana em nenhuma das opções, mas estou, sim, bem otimista com a possibilidade de pelo menos alguma delas se tornar uma das minhas favoritas de todos os tempos, como a faixa-título de Resistance se tornou mesmo 3 anos depois de lançado o último álbum. Estou fazendo figa! Hope that means something =P

6 comentários:

Roney Lira ADSC disse...

Análise simplesmente sensacional!

Nícolas Carvalhedo disse...

Cara, muito boa análise, tu deveria ter um espaço bem maior e melhor, devia ser do MuseBR ou coisa parecida, mto bom trabalho...

Eu não sei se na parte do Petrucci , vc quis falar palheta ou punheta mesmo hahaha

Sansara disse...

Muito lúcido, cara. Vejo muita verdade nessa sua opinião.

Ronald Golias disse...

Muito boa analise e questionamentos.

Sinto um pouco de pessimismo em alguns momentos. Pessimismo de quem ta acostumado a ver esse movimento de comercialização nas bandas faz tempo.

Eu costumo analisar essas situações como o amadurecimento da banda, afinal, é difícil agradar os fãs. Se você toca o mesmo tipo de som sempre, os fãs reclamam que não muda, se toca algo diferente, os fãs reclamam que mudou demais. Então sempre imagino que a banda está buscando experimentar coisas novas e fazendo o som para eles antes de tudo.

Quanto a querer buscar novos mercados ou a busca por crescer demais, ser um novo u2 ou qualquer coisa assim, indico o Shut Up and Play the Hits, documentário do final do LCD Soundsystem. Onde rola um pouco desse debate. A banda tinha apenas 10 anos, montada por um cara que, na epoca, tinha 31.

Mas, faço das suas as minhas palavras, estou fazendo figa! =)

lcattapreta disse...

Tenho essa relação que você tem com o Muse com outras bandas.
Com o Muse mesmo eu tenho uma paixão profunda pelo show que eles fizeram no Reading de 2006, e depois eu fui gostar só desse single Madness.

Mas ao mesmo tempo que eu não consigo parar de ouvir a música, eu sei que ela poderia ser de outras bandas, que foi o que o Chris Martin deve ter sentido tb rsrs
"Droga, pq eu não pensei nessa música antes?"

Ronald Golias disse...

AH! Esqueci de comentar só uma coisa. O problema do Muse com Twilight vem de antes do filme. Nos dois primeiros livros, nos agradecimentos, a Stephenie Meyer agradece a banda por ser inspiradora do trabalho dela. É a banda favorita da escritora.