14.10.11

Estava lendo uma matéria hoje sobre mais um atrito entre classe média paulistana e "gente diferenciada" e, no meio da lenga-lenga de sempre, me chamou a atenção uma passagem aonde uma distinta senhora, após hilariamente sugerir ao promotor "botar um abrigo na porta de sua casa" já que ele curte sem-teto (um funcionário do estado exercendo sua função de cuidar da população carente só pode ser um bróder das quebrada que adora socializar com mendigos, doravante um bandido imundo da mesma laia), diz que não tem nada contra os sem-teto pois "até contribui financeiramente com um abrigo no Brás."

Disse minha esposa que essa era uma nova versão do "não sou preconceituoso, até tenho um amigo negro." Ou talvez do mais atual "não sou homofóbico, tenho amigos homosexuais" que anda tão na moda.

Acho engraçado como essa é a primeira bandeira levantada pelos discriminadores raciais ou sociais, a de que eles têm amigos/conhecidos da classe supostamente odiada e portanto não podem ser tachados de preconceituosos. É tipo o cartão "saia da cadeia de graça" do racista.

O que não me entra na cabeça é como tanta gente pode se apoiar numa falácia tão fraca como se fosse um argumento sólido. É óbvio que ter amigos gays, negros, pobres, argentinos, etc. NADA TEM A VER com a existência ou não de preconceito. De pré-conceito. Quando se conhece uma pessoa a ponto de considerá-la um indivíduo, não um membro anônimo de um grupo ou uma casta, você automaticamente tem um pós-conceito da pessoa. Você já a conhece. Natural então que esse indivíduo seja avaliado pelas suas características pessoais, não pela predisposição com seu rótulo. Se é um negro, gay, ou sem-teto gente fina, se o "santo bate," ele passa a ser um amigo, um colega, um conhecido. Não cabe nenhum preconceito nessa situação.

Preconceito se tem contra o desconhecido. Contra o não-individualizado. Não importa quantos amigos homosexuais você tenha, se quando você vê um homosexual desconhecido na rua você projeta nele todo um estereótipo odioso, então, filhão, você é preconceituoso até a raiz do cabelo. Se quando alguém evoca na sua mente um negro hipotético e você já o materializa como uma figura que você atravessaria a rua para não cruzar, então você é um racista filho da puta não importa quantos negros você chame de irmãos. É simples. É lógico.

E a verdade é que o preconceituoso que tem amigos da cor, da nacionalidade, da classe social ou da preferência sexual que odeia é o pior preconceituoso. Porque não existe desculpa no mundo pra se ter contato direto com exemplos reais do objeto de discriminação e AINDA ASSIM separar os indivíduos reais da figura hipotética. Antes dissessem que não frequentam nem o mesmo bairro que gays ou negros ou mendigos. Seria mais fácil de compreender. Ser homofóbico tendo amigos gays, ou ser higienista social contribuindo com caridade, é uma ignorância voluntária e nociva e é o verdadeiro cerne dessa onda de violência reacionária que acontece atualmente no mundo inteiro. É cada vez mais difícil viver isolado de outros grupos, é cada vez mais difícil não ter a chance de pelo menos um contato com um exemplo real de cada tipo de gente que existe no mundo. E mesmo assim, as mentes tacanhas não sabem processar, reagem, inventam uma separação entre o pré- e o pós-conceito e vomitam todo tipo de idiotice para quem quiser ouvir.

É engraçado, mas é triste.