7.4.10

Carta ao bebê

Filho(a),

Eu sei que você só vai receber essa carta daqui a uns 8 meses, e que só vai ser capaz de lê-la mais uns tantos anos adiante. Mas seu pai tem pressa de te contar sobre todas as coisas que você já está fazendo com ele antes mesmo de sabermos se você é um menino ou uma menina. Desde que nós descobrimos que você estava a caminho, tanta coisa aconteceu que eu mal tive tempo de me concentrar em você, mas a verdade é que eu não aguento mais esperar para te conhecer. E olha que ainda falta uma eternidade!

Você veio de surpresa, apressadamente, nem esperou seus pais se organizaram para morar juntos, mas não posso em sã consciência dizer que você não foi um bebê planejado. Já falávamos de você há algum tempo, seu nome sempre figurando dos nossos planos futuros de sermos uma família feliz. E quando eu descobri que você havia furado a fila e resolvido vir até nós antes do tempo, minha vida mudou tão de repente e tão completamente que me fez descobrir todo um novo universo.

Eu sempre soube que queria ter filhos, mas nunca parei para pensar no porquê. Sempre foi algo meio arraigado no meu conceito de família. E de repente, tudo fez sentido. Sabe, seu pai sempre viveu a vida aproveitando cada detalhe dela, sempre olhou para o mundo com olhos inquisitivos e sempre direcionou a própria vida no sentido das descobertas. Sou um pai curioso. Vivi nesses quase 30 anos que separam nossas chegadas ao mundo mais vidas do que muita gente vive em 80. Morei em muitos lugares, tive muitas turmas, muitas casas, muitas aventuras. E dentro da minha cabeça, foram outras tantas, vividas pelos livros, pelos filmes, pelo faz-de-conta. Mais do que uma narrativa linear, para mim a vida é feita de cheiros, cores, sons, sensações. Mecanismos. Pessoas que vêm e vão e as marcas que elas deixam. Só que os anos foram trazendo compromissos e levando liberdades, como é natural da vida adulta. O potencial infinito se torna uma realidade finita, e o tempo para prestar atenção nas cores e para construir mundos no faz-de-conta fica escasso, roubado pelas responsabilidades.

E no momento em que eu descobri que ia ser pai, foi como se, subitamente, eu tivesse a chance de redescobrir o mundo pelos seus olhos, pelo seu sorriso, seu choro, seu abraço. Subitamente as responsabilidades da vida adulta ganharam um propósito simples e que tudo justifica, que é te dar seus 30 anos de sensações, descobertas e aventuras, para que você também curta esse mundo que, apesar dos pesares, pode ser muito divertido. E eu posso dizer que tenho uma certa pena, hoje em dia, de pessoas que têm filhos sem desejar isso. É uma experiência que não deve fazer sentido para quem encara a vida como uma série de dificuldades.

Eu sei que provavelmente vou passar a maior parte do meu tempo me preocupando com sua educação, com sua formação moral e com sua saúde e bem-estar, mas a vontade que eu sinto mesmo lá no fundo é de me tornar criança de novo e crescer junto com você, compartilhando as brincadeiras, as histórias, as aventuras, sendo seu melhor amigo. E claro que eu sei que você crescerá num mundo diferente do meu, numa época diferente, mas eu quero muito que você veja e sinta tudo o que eu vi e senti, mesmo que com detalhes e circunstâncias diferentes. Não vou ser desses pais que ficam insistindo pros filhos brincarem das mesmas coisas que brincavam em sua época, nem vou te levar pros mesmos lugares onde eu cresci (até porque, muitos deles nem existem mais), mas cada vez que você pousar seus olhinhos curiosos sobre algo novo, pode ter certeza que eu vou estar fixado e mergulhado no reflexo das suas íris (que nem sei que cor terão), tentando enxergar o mundo que você enxerga.

Espero que você goste de mim como eu já gosto de você. Que nós nos demos bem, porque um dia teremos que nos separar para que você mesmo(a) siga sua vida adulta como você decidir, e a partir daí nossa relação simbiótica se quebra e só o que resta é a amizade que, espero, nascerá ao longo dos próximos anos. De minha parte, eu já te amo de uma forma louca e diferente de qualquer outro amor que eu já experimentei, porque estou acostumado a conhecer as pessoas de fora para dentro, e você eu vou conhecer de dentro para fora, assistir ao nascimento das suas idiosincrasias, seus traços, manias e - espero que poucas - cicatrizes. Já você, vai me ter como ícone por algum tempo antes de começar a finalmente me conhecer, quando a inevitável adolescência chegar. Espero não te decepcionar muito.

E é isso. Estou ansioso para começarmos, tenho grandes planos para nós, planos que certamente serão refeitos muitas e muitas vezes, mas nunca abandonados, porque ser pai é uma ocupação integral e, agora que eu virei um, não abro mão de ser tão cedo. Na verdade, eu quero é ser logo. Tome seu tempo aí na barriga da mamãe, mas não demore muito, estou contando as horas para o nosso primeiro abraço.

Seu pai.

Rio de Janeiro, 07 de Abril de 2010