22.2.10

Tenho uma confissão bombástica a fazer, então vou direto ao ponto: eu estou assistindo a décima edição do Big Brother Brasil.

Não é a primeira vez que eu assisto o programa, eu acompanhei da metade pro fim as eliminações da segunda edição (mais ouvi do que vi, na verdade, porque a TV ficava ligada e eu ficava no computador fazendo outras coisas), e eu evidentemente fiquei a par do desenrolar da sétima edição, porque também não se falava em outra coisa na época. Mas essa é a primeira vez em que eu fui pego no esquema de acompanhar as provas, as formações de paredão, a maioria das edições, e até mesmo - *gasp* - as festas. E confesso que pela primeira vez na vida usei minha conta véia de guerra da Globo.com para espiar o streaming vez ou outra (não tenho Multishow para assistir a meia hora extra, então me viro como posso).

Atribuo essa mudança de postura a três fatores chave. O primeiro foi o fato da minha noiva assistir, o que me fez ter que optar entre ficar olhando pro infinito pensando "lugar feliz, lugar feliz" ou parar e assistir junto, já que o horário do programa não era propício a qualquer outra atividade conjunta. O segundo foi a boa escolha de elenco desse ano, que me pareceu bem menos genérica do que a de anos anteriores - mas talvez isso seja consequência do primeiro fator, já que eu dediquei mais do que 5 segundos da minha atenção para conhecer os participantes. E terceiro, mas não menos importante, foi o fato desse ano ser o ano do Twitter - que é ao mesmo tempo uma rede social mais seletiva e mais abrangente do que o Orkut. Enquanto no Orkut estávamos sempre separados pelas barreiras do tema da comunidade em questão, no Twitter os assuntos fluem livremente, e muito para minha surpresa (farei um post só sobre isso um dia, talvez) os assuntos que dominam o Twitter são basicamente TV aberta e cultura de massa. Então é claro que assim que o programa começou, virou praticamente o único assunto da minha timeline, e gente conversando sobre é sempre um atrativo fatal para qualquer tipo de programa.

Mas claro que estar assistindo não me faz gostar mais do programa. Todos os defeitos que eu sempre vi continuam lá, só que agora eu estou pego nessa curiosidade mórbida coletiva que faz todo mundo diminuir a velocidade pra ver acidente na estrada. E não é nem má vontade, eu estou genuinamente tentando gostar do programa. O problema é que o Big Brother Brasil sofre de múltiplas personalidades e, tentando definir se é um estudo antropológico ou uma soap opera, acaba sendo um exemplar ruim das duas categorias.

Não vou aqui levantar a bandeira de que reality shows são lixo. Reconheço a importância do gênero e a evolução que ele causou em todos os outros tipos de mídia. Os realitys comportamentais, especificamente (dos quais o Big Brother é o pai e o principal expoente), trouxeram ao entretenimento de massas um vislumbre do comportamento humano em sua forma mais crua, mais espontânea, e forçaram os telespectadores a acompanharem um enredo sem o timing e o ritmo cuidadosamente construídos das obras roteirizadas, e principalmente com personagens bem menos maniqueístas. Não existe essencialmente mocinho e bandido, não existe o bem e o mal, existem pessoas normais, cada uma com seu caráter. É bem mais complicado, e ao mesmo tempo bem mais interessante, acompanhar um programa que não tem protagonistas. Não é à toa que, de uns anos para cá, a maioria dos filmes e séries que competem com reality shows por audiência investiram pesadamente em personagens cheios de defeitos e falhas tipicamente humanas. Agora que o espectador padrão se tornou um antropólogo de boteco, o conflito moral passou a ser ao mesmo tempo viável e necessário para manter interesse.

Por outro lado, o Big Brother é um tipo muito peculiar de reality show. Ao contrário dos programas da segunda geração que se focam em pessoas competindo em alguma área específica de trabalho, ou em famílias televisionando seu cotidiano, não existe fio da meada. Ninguém está ali lutando pela superação pessoal e pela excelência em alguma profissão ou carreira. Eles apenas interagem entre si e o público vai eliminando quem não lhe apetece até que sobre apenas um, que leva uma grana pra casa e fim. Tudo o que eles fazem, todo o "jogo" envolvido, é tentar evitar o julgamento pelo maior tempo possível. O resto é brincar de casinha e ser assistido o tempo todo no processo.

Pois bem, a questão é que o público brasileiro não tem tanta vocação assim para a antropologia. Nos moldes do original holandês, o Big Brother brasileiro seria um fracasso retumbante. Nossa cultura televisita é calcada nas telenovelas (que por sua vez vieram das novelas radiofônicas), que são por definição obras palatáveis, de personagens rasos e onde tudo é preto-no-branco. Ou alguém é bonzinho, ou é malvado, e há certos comportamentos recorrentes tipicamente associados a um e outro tipo. Outro país que tem essa cultura (no caso deles, de telesséries, que derivam da indústria cinematográfica nacional) é os Estados Unidos. Lá, Big Brother não cola. Eles favorecem os Realitys em que tudo é pré-gravado, editado e apresentado num formato fácil de digerir. Exibição ao vivo e participação do público lá é limitada e tem como propósito julgar algo muito bem definido (por exemplo, o talento de competidores do American Idol).

No Brasil, por outro lado, o Big Brother virou um produto único e ousado. Sem deixar de ser um programa onde o público assiste a vida dos participantes ao vivo, existe aqui uma edição em tempo real que muitos profissionais achariam impossível fazer. O diretor consegue, apenas com as câmeras (que têm alcance limitado, inclusive) e a mesa de áudio, criar personagens e dar tons de novela a cenas e diálogos que estão se desenrolando espontaneamente. Claro que existem edições tradicionais, exibidas diariamente, e o público sabe muito bem que nessas a produção faz o que quiser (a falta de roteiro e direção é compensada pela quantidade massiva de material). Mas mesmo quem vê ao vivo está assistindo a versão dos fatos da emissora, que é finamente orquestrada e tem objetivos bem específicos. Há uma história sendo contada, e é uma obra conjunta dos participantes-atores e das câmeras-diretoras. E uma história muito intrigante do ponto de vista sociológico.

Então por que eu não consigo gostar do BBB? Uma das coisas que me incomoda é a constante obliteração da quarta parede, através das irritantes interferências do Pedro Bial e das incursões malucas dos personagens ao mundo exterior no meio do programa. Mas a pior violação, a que realmente estraga o programa para mim, deve-se a um participante, um único, que não me desce pela garganta de jeito nenhum. Um participante que não me representa, que não interage com ninguém na casa e mesmo assim tem um poder desproporcional lá dentro. Um participante com uma visão estreita e radical das coisas e com as opiniões mais retrógradas e estapafúrdias, e que, inexplicavelmente, volta para o programa toda temporada, desde a primeira: o público.

Como eu disse antes, não existe um talento ou um esforço específico sendo julgado no BBB. As votações são essencialmente para julgar as personagens - notem, não necessariamente as pessoas que estão lá, porque elas representam o papel que o diretor escolhe para eles baseado numa análise de aptidão. Porém, o público brasileiro está longe de ter uma visão antropológica evoluída. Quem ousa compôr o elenco de um Big Brother estará sendo julgado de acordo com valores de novela das oito. Estará sendo reduzido a uma caricatura, e uma vez encaixado nesse molde, é difícil sair. Vence o BBB quem vira protagonista de novela, e nesse aspecto, qual a vantagem de assistir um reality show quando se pode continuar vendo tramas bem mais elaboradas escritas do início ao fim pelo Manoel Carlos, pela Glória Pérez? Aqueles que, como eu, querem ver pessoas falíveis e normais vivendo romances, amizades e rusgas normais, são forçados a verem semanalmente um membro do elenco sendo "morto" porque não é bonzinho o suficiente para o gosto da massa. E aí, lá se vão os arcos de enredo que eu acompanhava, lá se vai a continuidade, tudo.

Imaginem se seria possível acompanhar uma série em que toda semana morresse um personagem deixando todos os seus plots em aberto. Imaginem, para fins de argumentação, se toda semana o público de Lost mandasse matar o personagem que menos gostasse. "Esse Jack é um idiota, matem-no e reescrevam a história sem ele!" "Kate fez merda essa semana, joguem-na pros tubarões!" Quem teria paciência para ver mais do que uns dias disso? Quantas semanas até termos uma série só com Hurley falando sozinho?

Claro, Lost é uma série roteirizada, diriam alguns, e BBB é realidade e improviso. Mas BBB é um programa de televisão, certo? Ele existe com fins de entretenimento, e nós pagamos Pay-per-View (ou pagamos com vergonha alheia das inserções escabrosas de merchandising) para sermos entretidos. Simplesmente ver gente andar por aí e bater papo o dia todo não é exatamente interessante, então mesmo um Big Brother precisa de conflito, de ritmo, de enredo. E infelizmente, a história que eu quero assistir ali é bloqueada, de novo e de novo, pela frustrante e enervante participação popular.

Por essas e outras que eu continuo gostando mil vezes mais de Amazing Race, e que realmente me apaixonei por Solitários, o reality que estreou no SBT esse ano. A verdade é que realitys com participação e voto popular me broxam. Sou totalmente a favor de observar pessoas comuns vivendo situações incomuns, mas infelizmente no BBB o público não sabe olhar sem meter a mão.

11.2.10

Pessoa Nefasta

EDIT: O post serviu a seu propósito, agora chega de baixaria. Pra não perder a viagem, uma ótima versão da música do Gilberto Gil que deu nome ao post