31.12.08

Carta a 2009

Olá. Ainda não nos conhecemos, muito prazer. Sou o Rafael. Estaremos juntos pelos próximos 365 dias, e eu queria dizer umas coisas antes de começarmos.

Sei que você mal chegou. Em vários pontos do planeta, você ainda é futuro. Mas garanto que, ao menos por mim, você é muito aguardado, desde sempre. Não digo isso para comprar simpatia, mas unica e exclusivamente para dizer que seu antecessor, 2008, não vai deixar quaisquer saudades. De fato, talvez seja lembrado por décadas e décadas com certa amargura de minha parte, como um amigo que apunhala você pelas costas.

Antes de 2008 chegar, o ano de 2007 tinha sido um ano de construções. Um ano de muito trabalho, muita ralação, e de muitas conquistas. Um ano inteiro que dediquei a criar uma nova realidade, mais confortável, mais nobre, mais próxima do meu futuro ideal. 2008 foi muito aguardado, tanto quanto você é agora. Nos primeiros meses, tudo foi fantástico. Era um ano que tinha tudo para ser o primeiro do resto de minha vida, uma vida de realizações das promessas que 2007 me fez.

Mas hoje, olhando para trás, eu sei que 2008 não estava realmente me amando como eu o amava. Na verdade, hoje eu sei que 2008 me odiava irracionalmente e que tudo o que fez por mim foi uma farsa. O ano nunca quis me favorecer, e eu devia ter desconfiado quando começou a me dar porradas na cara do nada e depois fingir que nada havia acontecido. Mas eu não desconfiei. Eu confio muito nos anos, sabe? É essa mania de acreditar que eles são apenas um ciclo de translação ao redor do sol, apenas um conjunto de 365 dias (366 no caso de 2008) que não diferem em nada dos anteriores ou posteriores exceto por uma convenção social.

Mas o fato é que 2008 revelou sua cara muito cedo, e com um golpe quase mortal, destruiu tudo que 2007 havia construído. Não só 2007, como praticamente tudo que eu havia aprendido com 2003 em diante, e até algumas coisas mais antigas. Massacrados pelo ano traiçoeiro que não acreditava nos meus sonhos. Desse momento pra cá, eu e 2008 tivemos uma relação forçada, pois ocupávamos o mesmo lugar no universo, mas eu obviamente não queria nada com ele e nem ele queria nada comigo. Uma situação que me é inclusive familiar, e talvez por isso eu tenha conseguido juntar forças para esperar a partida dele. Mas não foi fácil. Nosso rompimento aguou todas as outras coisas que ele posteriormente me ofereceu, talvez por cinismo, talvez por pena. Chegamos a rir juntos em alguns momentos, mas eram risadas amarelas. Lá no fundo, eu simplesmente não queria mais ter nada a ver com 2008, nem ele comigo.

E é nesse pé em que você me encontra, jovem ano de 2009. Aliviado por ter sobrevivido a meu algoz, e ansioso, embora cauteloso, para saber como nos daremos.

Tomei o cuidado de não criar expectativas para você. Aceito-o como você chegar. Esse ano, não farei resoluções, nem planos, nem pedirei nada a Iemanjá, nem passarei com roupas coloridas. Não me iludo mais, vocês anos são melindrosos e têm idéias próprias do que farão conosco. Mas minha reticência não é de forma alguma uma predisposição negativa. Por mim, seremos muito amigos, os melhores da história, e teremos muita coisa boa para contar para nossos descendentes. Mas se não for tão bom assim, não ficarei triste. Sei que você não será pra sempre também, e estou ok com isso. Quando 2010 vier, me entenderei com ele, tenho certeza.

Se me permite pedir algo, uma única coisa, só peço que me trate com respeito. Sou paciente, tolerante, não sou mais criança (se tem algo que devo a 2008, foi um enorme amadurecimento), e tenho os pés no chão. Mas não sou invencível, e se você quiser me massacrar como 2008 fez, ou tentar ser pior, não sei como será. Só uma certeza eu tenho, que na sua despedida, no próximo Reveillon, estarei aqui ainda para acertar a conta e passar a régua.

O que acontece entre hoje e lá, fica por sua conta.

Não me decepcione!




Rafael

27.12.08

Enquanto escrevo esse post, estou sentado em uma confortável pedra em formato de sofá, no meio do pasto do sítio dos meus avós, lutando para enxergar algo no monitor apesar do sol ofuscante. Tentei escrevê-lo ontem à noite, mas infelizmente, a despeito dos avanços tecnológicos da última década, sinal de celular (e, consequentemente, internet móvel) aqui só existe do lado de fora da casa, e na curta trégua que a chuva deu ontem, um incidente com uma aranha armadeira que resolveu veriricar de onde vinha tanto brilho e pulou no meu monitor abortaram precocemente meu projeto de blogada. Pelo menos agora está seco e o brilho do monitor, que quase não é suficiente para furar o antireflexo, não vai atrair nenhum aracnídeo peçonhento curioso.

É justo questionar o que de tão importante eu teria para escrever que me fizesse enfrentar a natureza em busca de um resquíscio de modernidade, tão malvisto nestes recantos bucólicos do planeta. O que me motivou foi justamente o lugar. O sítio dos meus avós, Santana do Serrano, carinhosamente conhecido como Bauzinho pela família Savastano. Bauzinho porque ele tem uma vista privilegiada da Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí. Meus avós compraram esse lugar quando eu ainda tinha uns 6 anos de idade. Permutaram pela casa aonde meu pai e alguns dos tios nasceram, e aonde nós (eu e minhas irmãs, uma das quais recém-nascida) tínhamos brevemente residido antes de irmos para o Rio em 86. Desde que consigo me lembrar, o Baú tem sido palco das festas mais divertidas da família, e das viagens mais memoráveis. E sempre que eu piso aqui eu me pergunto por que diabos eu tenho vindo cada vez menos para cá.

Por um lado, tem a ver com o inevitável crescimento da família. Sou o neto mais velho e sempre tive uma exclusividade limitada de direitos na casa da minha avó. Também fui o responsável por desbravar vários caminhos não trilhados, o que evidentemente sempre facilitou a vida dos meus primos e irmãos mais novos. É uma troca justa, mais privilégios e mais responsabilidades. Mas hoje em dia quase todos os 24 (com mais um a caminho!) netos de D. Ângela são maiores de idade, vacinados, e com seus róprios planos para feriados prolongados. Por consequência, graças a uma política social velada, o sítio acabou sendo "herdado" pela segunda geração de netos. E o fato de nunca conseguir uma data que já não estivesse ocupada pelos jovens em questão me fez desencanar um pouco de vir para cá ou trazer amigos (até porque, conseguir agendar outra data importante como o Reveillon de 99 só para mim e para amigos meus provavelmente nunca acontecerá)

Mas por outro lado, não consigo deixar de sentir que parte da culpa é minha. Eu nunca encontrei um lugar para o sítio na minha autoproclamada "vida adulta." E aqui no meio do nada, com vento no rosto e ouvindo a algazarra dos pássaros, eu começo a desconfiar que o que eu fiz foi bloquear uma parte de mim que sempre pertenceu a esse lugar. Porque essa é a parte infantil que vê qualquer buraco no mato como um convite à exploração, um portal para uma aventura fantástica; que associa cada barulho a um ser folclórico ou mitológico, um fantasma ou um alienígena furtivo; que deita na grama para olhar as estrelas e sente que a qualquer momento a gravidade pode se inverter e eu posso cair no vazio imenso.

Tem muitos sonhos inacabados perdidos entre as árvores do quintal e entre as pedras do riozinho. Grandes sagas que eu levava comigo e que continuavam de onde tinham parado sempre que eu botava os pés aqui de novo. Grandes certezas, como a de que eu estava cada vez mais próximo de conseguir levitar ou virar um peixe e respirar embaixo d'água (só precisava ser um pouco mais velho). Grandes amores platônicos da infância e da adolescência que viravam fantasias românticas bestas que sempre - sempre - aconteciam aqui. Nenhum deles teve desfecho, porque ficaram aqui esperando meu retorno, e eu não voltei mais. Até continuei aparecendo, eventualmente, mas sempre como um estranho, como um convidado na minha própria casa.

Não sei por que diabos eu decidi, consciente ou inconscientemente, que não iria mais revisitar meus sonhos. Mas uma coisa é certa. Aquele Rafael pequeno e delirante era muito mais corajoso do que eu. Os espinhos na mão, ralados no joelho, carrapatos na virilha, eram todos parte da diversão. Eram as dificuldades que potencializavam a vitória. Cada vez que eu saía da estrada e inventava uma trilha, eu tinha certeza que ia ficar ardido e incomodado por semanas com as escoriações, mas o impulso era irresistível. Tão diferente do que eu sou hoje!

Para variar, eu não me permiti ficar aqui muito tempo. Mal cheguei e já vou embora. Podia ficar mais, podia voltar para passar o ano novo, mas não ia adiantar muita coisa. Saber da minha dificuldade de conexão com o Baú não ajuda em nada a superá-la, infelizmente. Mas ao menos eu posso tentar levar para casa, no mínimo, esse post. E meditar sobre a lembrança de uma época em que, ao invés de desistir antecipadamente de tudo que requira esforço ou que vá causar dor, eu pulava de cabeça só pela emoção de superar.

1.12.08

Dezembro não começou muito bem. Primeiro, porque a UERJ inventou de voltar da greve a essa altura do campeonato, pra fazer aquele intensivão de 3 semanas antes do recesso de fim-de-ano, efetivamente matando todos os meus planos de passear com minha prima Marcela, que eu não vejo há 11 anos e que chega do Chile no dia 07 para ficar lá em casa. Pensem numa revolta.

Além disso, como muitos podem ter deduzido pelo silêncio, eu não passei no exame de moto. Metade da responsabilidade é minha, talvez por ter deixado o imenso e inevitável intervalo entre a última aula prática e a prova diminuir minha atenção. Mas a outra metade é culpa da porra da autoescola, que mais uma vez me informou mal e me sacaneou muito, mas muito feio. Isso porque após um mês e meio parado, eu estava contando com a prática do dia que, segundo meu instrutor, aconteceria enquanto os alunos aguardavam a vez de ir para a fila do circuito. É claro que não teve. É claro que podia ter, tinha moto (mais de uma) disponível, tinha capacete, eu tinha a grana pra pagar, mas o instrutor que estava lá (não era o meu, pra piorar) fez um enorme esforço para me forçar a "ajudá-lo a me ajudar." Em nenhum momento ele disse nada nesse sentido, mas ele certamente fez bastante esforço para dificultar as coisas para mim, ao mesmo tempo que me olhava com cara de debochado. Nunca na minha vida tive tanta vontade de socar alguém!

Resultado: errei um dos cones logo de saída. Um erro inevitável pra quem passou tanto tempo sem treinar (coisa que aliás é efeito direto da sistemática do Detran, que exige as 15 aulas completas para poder marcar a prova, e sempre abre a marcação 45 dias antes dos exames), e que jamais aconteceria se eu tivesse dado uma mísera volta com a moto de treino antes de pegar o circuito oficial. Não comentei antes porque nem sei o que eu faço agora, minha vontade era desistir, mas eu inventei de fazer a inclusão de categoria junto com o vencimento da carteira, então enquanto eu não conseguir passar na porra da prova, nem carteira de motorista tenho mais. E isso me irrita mais ainda por saber que continuarei dependendo dos pela-sacos da autoescola, pelo menos por hora. Juro que quando isso terminar eu taco uma bomba naquela merda.

E eu que achava que corretores de imóveis eram escrotos.


Wind