24.6.02

Como a minha pouca vontade de escrever continua, e faz muito tempo que eu não posto nada, só para não passar em branco, vou colocar aqui um texto meu antigo. Ele fez um ano de idade pouco tempo atrás, e acho que vale a pena publicá-lo, muito embora ele seja sombrio e pesado. Mas é melhor do que nada, não? Bem, aí vai.


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Morte. Uma palavra forte, sem dúvida. Especialmente no início de um texto. Porém, não é forte o suficiente. Tal qual Amor, Ódio ou Terror, é uma palavra mais ou menos comparável a um arcano maior do tarô. Possui milhares de significações e nuances, mas a mera menção de seu nome não basta para instaurar a impressão total de sua profundidade. Porém, para isso inventaram os adjetivos complementares. E deles faço uso para retificar o início do texto. Não mais “Morte”. E sim, “Morte violenta, súbita e horrenda”.

Isso resume mais ou menos o que foi a noite de hoje. Digo mais ou menos, porque foi bem mais do que isso. Foi um choque. Foi um soco no meu estômago. Eu, que sempre considerei a habilidade de sentir como a maior prova de humanidade que eu podia encontrar em uma pessoa, também sempre me orgulhei de ter uma imensa capacidade sensível de me colocar na pele das pessoas, de compreender o mundo através delas e assim entendê-las. Mas muito mais do que uma capacidade treinada, essa é uma capacidade inata e fora de controle. E hoje, num efeito colateral desastroso, eu estive na pele de uma mulher que foi arrancada da vida e do mundo que conhece de uma hora para a outra, deixando não um cadáver bonito e altivo, um espelho de sua alma, mas sim um corpo retorcido numa calçada suja. E na pele de um homem que, em um instante, tem a pessoa que ama ao seu lado, e no instante seguinte, a perdeu para sempre. Certo, nem sei se ele a amava de verdade, nem sei dizer o que seria um amor de verdade, mas independentemente disso ele definitivamente a prezava e queria. Estava evidente no timbre de sua voz quando ele gritou de terror. Palavras que nunca mais vão sair da minha cabeça, assim como a imagem de uma rua escura e monocromática, um estrondo, uma batida entre dois carros, pedaços de veículos e de gente para todos os lados.

“Você matou minha mulher, filho da puta”. Uma frase dura, sincera e horrenda, piorada pelo tom indescritível de horror, ódio e completo desespero da voz que a proferia repetidamente, enquanto seu dono se afastava do corpo inerte da namorada no chão para atacar como um animal ensandecido o motorista do outro carro, que estava com sua mulher ainda bem viva e histérica. As pessoas surgiam de todos os lugares ao redor, a rua de deserta ficou lotada em segundos, todos vendo aquela cena grotesca, levando as mãos à cabeça em desespero, desnorteadas.

Na hora, eu simplesmente não pude fazer nada. Fiquei paralisado, demorei um pouco até sacar meu celular da cintura e discar para a polícia. 190. Telefone de emergência. Emergência. Emergências pressupõem necessidade de socorro imediato. E nunca me senti tão ofendido quanto quando ouvi uma mensagem gravada dizendo “Todos os nossos operadores estão ocupados, por favor aguarde”. Seguida de - absurdo - uma musiquinha idiota. Inevitavelmente, me imaginei um dia com o telefone na mão, vendo um maníaco qualquer apontar uma arma para a cabeça da minha filha, e uma maldita música inútil do outro lado da linha. Me senti esgotado, inexpressivo, quase tão morto quanto a mulher que jazia ali na frente. Não há nada de humano na sociedade em que vivemos.

Eu estava de carona com um camarada que conhecera algumas horas antes. Nem lembro o nome dele, mas com certeza lembro do silêncio pesado do carro, do rosto dele, de sentir que ele estava tão mal quanto eu, ou talvez pior. Não parava de me perguntar por que fui escolhido para assistir aquilo. Por quê? Tanta gente por aí que merecia mais, tanta gente imprudente que merecia estar agora com o medo que eu, que sempre fui tão preocupado com segurança e sempre tão contra correr riscos, estou agora de entrar em qualquer carro outra vez ... Tanta gente com curiosidade mórbida de assistir a um acidente, ver um cadáver de perto, coisa que eu nunca, nunca tive, pelo contrário! Tanta gente que iria pelo menos tirar um aprendizado construtivo daquilo. Mas não eu. Eu somente morri, morri um pouco junto com aquela mulher, porque vou carregar a morte dela na minha mente com todos os detalhes, pelo resto da vida.

Não consegui deixar de traçar um paralelo, guardando as proporções, com o dia em que o carro à nossa frente numa estrada atropelou o pai de uma família de capivaras que atravessava a pista correndo. A imagem do animal rolando por baixo do carro e sendo esmagado ficou viva na minha memória até hoje. Mas o instinto faz com que a morte de um semelhante seu, de sua raça, seja muito mais chocante do que a de qualquer outro animal. Ah, como se engana quem diz que a televisão banaliza a violência, que milhares de cenas de morte televisionadas fazem com que as pessoas achem normal. Não, elas pensam que acham. Mas a morte de verdade não é alegoria. Não é catchup, não é efeito especial. É alguém que estava lá e não está mais. É violenta e horrorosa. A morte digna, como a de meu avô, que pediu a minha avó para ir porque não queria mais agüentar a dor de um câncer, essa é muito menos traumatizante, e não aparece nos filmes. E ainda por cima, tal qual no caso da capivara, em que o motorista de um carro de conhecidos que vinha atrás do nosso disse que tinha visto o animal ainda se mexendo mesmo depois de atropelado, esse meu colega que me dava carona afirmou para mim ter visto a mulher se mexendo. Qual o alívio que se espera causar com isso? Será que eu devo ficar mais horrorizado com a idéia de uma morte brutal, porém rápida, ou com a idéia de que ela estava ainda sentindo a dor de estar mutilada e dilacerada? Tenho engulhos só de pensar nisso.

Durante todo o resto da noite, eu me cerquei de amigos, pessoas queridas, engraçadas, tentei me distrair, mas tudo tinha perdido a fagulha. A morte estava me rodeando o tempo todo, estava em tudo o que eu via. Cada carro que passava na rua explodia, batia ou me atropelava. Cada pedaço de vidro cortava, cada movimento brusco atingia, machucava, cegava. Cada pessoa poderia não estar ali no momento seguinte. O ônibus que eu ia pegar para voltar para casa demorou demais, e eu tentei pegar um táxi, mas a mera menção de entrar num carro me fez estremecer e recuar. O carro estava cheirando a morte.

Sim, é verdade, agora eu sei que a morte tem um cheiro. Tem cheiro, gosto, imagem e som. E na minha existência, esse cheiro, som, imagem e gosto serão para sempre os daquela esquina.

Ainda não me conformo, não deveria ter visto aquilo. Não era para mim. Era para essas pessoas que, como aquela mulher, andam sem cinto de segurança. Que, como ambos os motoristas, atravessam cruzamentos em alta velocidade, sem olhar para os lados, sem acreditar que a qualquer momento um outro idiota como você pode estar fazendo a mesma coisa. Será que essas pessoas não compreendem as conseqüências desses atos? Algumas até compreendem, mas não sentem... acham que um pequeno risco não faz mal. A maioria não compreende de maneira alguma. Será que elas precisam ver, como aquele homem viu, seus entes queridos reduzidos a massas disformes de carne e sangue num passeio público? Será que precisam morrer, como ela morreu? Ou será que precisam carregar a culpa de uma morte, se tornarem assassinos, como o outro motorista? É isso que as pessoas arriscam? E para quê, para chegar mais rápido em casa? Pela emoção da velocidade? Para evitar o desconforto de um cinto? Crianças. Burras e irresponsáveis. Mas ainda assim não merecem esse sofrimento, ninguém merece...

Talvez eu esteja exagerando. Eu não morri. Não sou aquela mulher. Também não sou aquele homem, pois todos os meus entes queridos estão vivos e bem, e amanhã poderei me encontrar com eles e ouvir palavras novas e inéditas vindas de suas bocas, e receber abraços novos como o orvalho fresco, e tenho um futuro com eles pela frente. Também não matei ninguém. Mas não posso deixar de imaginar que poderia ser eu em qualquer dessas situações. Bem ou mal, por mais distante que nosso carro estivesse do outro, por mais que meu motorista fosse infinitamente mais prudente, e ele era, o personagem do acidente poderia ter sido eu. Eu estava sentado aonde ela estava sentada.

Sei que não consigo imaginar a dor de nenhum dos envolvidos, mas infelizmente sei calcular a razão da grandeza dessa dor. E isso é repugnante e doloroso. Tudo bem, a morte é um mistério, não sei o que há do outro lado. Mas mesmo antes de um livro iniciático me apresentar as analogias como a chave para a compreensão do universo, eu já tinha essa noção de que as coisas são paralelas e equivalentes. Eu já passei por sensações de perda em diversas escalas, e consigo, para meu terror, imaginar a sensação de se perder tudo. De ser ejetado da sua realidade e sem chance de voltar, de terminar o que se tinha deixado pela metade, de cumprir seus sonhos, de corrigir seus erros. Então, onde quer que a mulher esteja, como eu desejo que a dor não seja intensa para ela, como eu desejo que ela supere logo!

Quanto a mim, o dia clareou, e eu melhorei. Não gosto da noite na cidade, cheia de luzes artificiais e um céu sem brilho e opressor. Nunca pedi para ser notívago, e a única circunstância em que talvez gostasse disso seria se a noite fosse como no campo, sem lâmpadas, com estrelas, céu aberto, e a certeza de que você está olhando para o infinito. De resto, dependo muito mesmo do sol. Passar um dia sem vê-lo é ficar extremamente mal-humorado e alterado. O sol sempre foi minha fonte de energia. E olhar para o mar também me foi muito saudável. Engraçado como o mar me passa muito mais sensação de vida fervilhando do que, por exemplo, uma vista panorâmica de ruas movimentadas. A revoada de pombas que me recebeu quando saltei na minha rua também ajudou. Acabou que as ondas, as pombas e o sol afastaram a morbidez da minha alma, conseguindo me mostrar vida, a vida que eu não via mais nas pessoas. Aliados a esse texto, esse desabafo, me fizeram conseguir expiar as angústias do meu coração e agora posso dormir mais tranqüilo. Não serei o mesmo depois dessa noite. Talvez tenha sido esse o sentido de ver o que eu vi. Mas o importante é que aconteceu, e não passou em branco. Guardarei sempre esse texto como prova de mais essa vivência estranha e inesperada no meu caminho...


Rio, Junho de 2001


Wind

18.6.02

Reflexões rápidas sobre a Copa:


* Não deu para a seleção japonesa. Foram eliminados pela Turquia mesmo com a maioria dos jogadores jogando em sua forma Super Sayajin.

* Por que será que tudo o que o Cléber Machado fala, mesmo nos raros casos que é o logicamente correto, acontece o contrário?!

* O José Roberto Hait inventou uma nova iguaria tipicamente coreana: o Pastelzinho da Sorte!

* Coco e sua redundante atadura no coco.

* O Thoth jogou bem, mas foi expulso :/. Quem mandou cavar pênalti, Thoth?!

* Quando o Nam Kim se machucou, eu tinha quase certeza que o técnico Guus Hiddink ia substituí-lo pelo Sfero Grafika. Mas ele preferiu botar a Chun Li mesmo. Acho que é porque ela é a que melhor chuta ali.

* A copa foi boa e tudo, mas entre Beckham e Roque Júnior, eu prefiro começar desde já a torcer pro Senegal...



Wind.

12.6.02

Caracoles! Faz tempo que eu não posto...

E vai fazer mais ainda. Por alguma razão misteriosa, eu ando sem qualquer assunto para postar aqui. Nem revoltas, nem reflexões, nem piadas, nem mesmo testes. E não é que eles não estejam aí, acontecendo. É só que... sei lá, ultimamente tenho visto pouco uso em publicar essas coisas. Acho que estou impublicável.

Ou é mais uma daquelas épocas em que não importa o que aconteça - e muitas coisas acontecem - um tédio onipresente e opressor toma conta de todas as entrelinhas, de todos os intervalos, de todas as reticências.

Acho que me falta algo. Só não sei o que.



Wind

6.6.02

HAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHHAHAHAHA!!!
Alguém me faça parar de rir.... ai..... :~D

RESPECT MY AUTHORATHA!!!!!!!!!


Façam os seus aqui!



Wind

2.6.02

Sem noção

Ontem foi o casamento de minha mãe, e foi muito lindo. A festa não foi nada convencional (famíla de artistas...), todo mundo se emocionou, e blablabla. Eu gostaria realmente de escrever sobre isso. Mas eu demorei demais, e outras coisas aconteceram, que merecem ser blogadas. Nada de divertido, muito pelo contrário. Esse post deve ser um dos mais revoltados da minha carreira. Fala sobre a frenética valsa dos desequilíbrios, dos desencontros, dos fracassos. Fala sobre minha noite de hoje.

Eu conheço de cor e salteado o papo de que as quedas trazem lições valiosas, na verdade eu sou um dos pregadores dessa idéia. Mas realmente, existem situações que só trazem lições antigas que já cansamos de aprender, e principalmente, de perceber que nunca passaremos nessa matéria. Por pura incapacidade. Vamos a elas:

Lição 1: Família Sabe Como Enlouquecer Você

É sério. Existem pessoas capazes de permanecerem impassíveis diante dos mais diversos tipos de provocação verbal de qualquer pessoa, mas não dura 5 minutos sem explodir violentamente se a pessoa é parte da família. Eu sou um cara desses. Não consigo, simplesmente não dá. Eu ouvi a mesma ladainha por vários anos da minha vida - todos, para ser exato - e ela saturou. Saturou além do limite. Não adianta vir com 'deixe estar', com 'você está certo, mas eles não vêem'... esse papo não alivia. Quando começa a babaquice, eu saio do sério. Sem atenuante conhecido. E eu fora do sério sou uma pessoa muito pouco tratável. O que nos leva a...

Lição 2: Nada Pior Para Seu Estado De Nervos Do Que Alguém Esfregando A Verdade Na Sua Cara

Olha, eu não endosso meu comportamento 100% do tempo. Em situações de estresse, eu realmente fico babaca. Agora, sinceramente? Só tem uma coisa a ser feita nessa hora, e é ME DEIXAR QUIETO. Várias vezes eu simplesmente resolvo me afastar das pessoas, num ato constantemente confundido com birra ou orgulho. Mas não é. É simplesmente porque eu me tornei uma companhia desagradável por N minutos, e até lá não vou interagir com ninguém porque não será produtivo. Mas nessas horas, o que as pessoas fazem é escolher um de dois cursos de ação terrivelmente ruins: ou ficar insistindo para que eu interaja e diga "o que aconteceu", ou ficar falando para mim que meu comportamento é isso e aquilo! Ainda pior, quando eu paro de dar atenção para evitar uma briga, a pessoa se vira para outra e fala de mim na minha frente!! Aí me desculpe, vai pra PQP! Minha tentativa de evitar interação vai pro espaço na hora, e é bem aí que eu ataco, agrido, magôo, faço de tudo. De tudo mesmo. Acho que nessa vida já me disseram que eu tenho todas as qualidades negativas que uma pessoa pode adquirir. Me faz pensar se eu sou o demônio na terra, pq se não for, ele tem inveja de mim, ah tem. Meu currículo de adjetivos é impressionante. Só não sei como eu me aguentei até hoje - e até digo que gosto de mim. Será que eu sou o único capaz de me aguentar 24h por dia? De qualquer forma, quando a bomba estoura, geralmente é o fim prematuro do dia. O que me leva à....

Lição 3: Eu ODEIO Imprevistos

Ok, ninguém gosta. Nada mais chato do que ver planos dando errado. Mas eu simplesmente ABOMINO isso. Abomino a ponto de direcionar toda a minha vida no sentido de NÃO passar por isso. É uma sensação prolongada, intensa, um processo demorado até a última fibra do meu ser parar de gritar, socar as coisas e chorar convulsivamente porque algo deu errado, até a idéia de que "isso não aconteceu, na verdade ainda está tudo para acontecer como antes" vá embora da minha cabeça definitivamente. Não sei dizer por que é assim, mas sei dizer que é. E não há nada para se fazer. Hoje em dia eu até controlo mais o choro e a violência, mas a vontade está sempre lá. E é um esforço hercúleo para controlar. Porque toda hora volta, volta a materialização da coisa que era para acontecer, volta a noção de que a única certeza que eu tenho sobre amanhã de manhã é que NÃO será como eu pensava. E isso me derruba mesmo. É meu calcanhar de aquiles, aquela fraqueza estúpida e inexplicável que todo mundo tem. E sob os efeitos dela, eu não me comporto como o mundo acha que deveria. Só lamento, mas não me comporto.

Essas são 3 coisas que eu já sei há muito, muito tempo. Mas ainda assim, hoje foi tudo jogado em cima de mim de novo, um lembrete desnecessário de coisas que estão 24h por dia na minha mente. E por quê? Analisando friamente, a culpa não foi de ninguém. Todos estavam sendo levados de uma forma ou de outra por emoções, a situação se formou, eu interferi, a bomba estourou no meu colo e no fim das contas ninguém tinha culpa - exceto eu, claro. A culpa foi minha, o erro foi meu, porque para os outros que se deixaram levar pela emoção, pedir desculpas adiantou. Para mim não. O que me leva à última lição manjada da noite:

A realidade é relativa às circunstâncias.



Wind